Pular para o conteúdo principal

POROMONGUETÁ: A LÍNGUA DOS TREMEMBÉ.

POROMONGUETÁ: A LÍNGUA DOS TREMEMBÉ.

olha ai a gente de novo!

Prontos para mais uma leitura?

Até agora postei sobre vários assuntos, mas ainda não abordei aspecto da cultura do meu próprio povo, do Povo Tremembé. Entre os vários elementos que poderia abordar, de forma mais peculiar, da parte cultural e estrutura social, eu irei me ater ao que toca a dimensão lingüística.

Gostaria de partilhar junto com esta postagem um sentimento particular. Acredito que eu seja o primeiro a falar do Poromonguetá. Embora eu seja antropólogo, tive uma boa formação na área da lingüística devido a convivência e as partilhas com meu orientador do mestrado Frantomé B. Pacheco que é um excelente lingüístico. Por possuir, hoje, um conhecimento lingüístico suficiente para organizar nossa língua e apresentá-la de forma mais geral. Até então, ainda esses dados permaneciam na obscuridade, pois, de alguma forma, eu tinha um pouco de receio de comentar sobre eles. Ora, nós indígenas do nordeste, já somos, deveras, sem crédito (do ponto de vista de muitos da antropologia e da lingüística), acusados de inventar culturas, inventar povos, inventar costumes, como eu passaria em falar de uma língua que
nunca se ouvira falar? Mas, essa desvalorização dos povos indígenas do nordeste (não generalizando, é claro e já bem minimizado hoje) ocorre porque não satisfazemos a um estereótipo de índio já convencionado pela mídia e pela história. Não somos exóticos e não somos diferentes como costumam acreditam 95% da população brasileira sobre o que é ser indígena. Diferentes fisicamente (seja lá o que quer dizer isso na cabeça do povo)  como os Yanomami (no Amazonas), diferente como os Xavante  (centro-oeste), diferente como os Kamaiurá (no Xingú). Podem crer numa coisa, para esses indígenas citados o ‘branco’ é tão diferente e estranho quanto o mais estranhos dos bichos da mata. Entretanto, naquilo que não somos diferentes é que realmente emerge a nossa diferença. Somos, nós Tremembé, diferentes justamente porque somos iguais. Talvez seja este o fato onde repousa a grande questão da nossa identidade indígena!

Era isso o que eu queria partilhar, mas, voltemos ao nosso foco.

Para quem nunca ouviu falar do meu povo, veja a postagem anterior (Identidade Tremembé)
Segundos os estudos antropológicos mais recentes sobre o povo Tremembé, afirmam que entre nós não exista mais a nossa língua, que se perdera em tempos remotos. Porém, os estudos realizados até agora foram feitos apenas em torno dos municípios de Acaraú, Itapipoca e Itarema. Entretanto, há Tremembé espalhados em toda a faixa do litoral do Ceará, e até no Maranhão. Muitos ainda não assumiram a sua identidade indígena Tremembé, mas resguardam inúmeros traços culturais que não estão presentes, por exemplo, entre aqueles das T.I Tremembé de Almofala homologada pela FUNAI.

Depois que perdemos a nossa língua, pelo fator europeu da colonização e da tupinização da costa brasileira, uma língua derivada do Tupi tomou lugar no seio da nossa cultura, apesar de que (naquele período histórico) sermos inimigos dos falantes do tronco Tupi. Mas que, por necessidades de comércio e relacionais (formação posterior de alianças – bélicas e matrimoniais), acabamos por ir substituindo a nossa língua materna.

Portanto, o que eu venho apresentar aqui é um pouco sobre uma língua que um dia foi falada por nós, do povo Tremembé. Depois de muitos diálogos com os velhos Tremembé e muito estudo, anotações, muita observação da fala dos mais velhos, apresento aqui, pela primeira vez, a língua que denominamos de Poromonguetá. Segundo historiadores e lingüísticos, nós Tremembé, somos de um tronco lingüístico desconhecido, extinto ao longo do período da colonização. Vários autores abordam este ponto, vejamos:

Apesar de falarem apenas o português, os Tremembé guardam resquícios da língua nativa e mantém uma notória diversidade no falar, figuras de linguagem próprias e diferenças no uso da fonética, em relação à população regional. Os cânticos do Torém contém muitas palavras do antigo idioma dos Tremembé misturadas a vocábulos de origem Tupi (Pompeu Sobrinho, 1951; Seraine, 1955; Pinto, 1975).(Porto Alegre, 2005, p. 14)

Estes vocábulos mencionados pela autora, de origem tupi, fazem parte de um contexto bem mais amplo, um tipo dialetal do tupi, poderíamos até mesmo em dizer que era um tipo de Língua Geral, falado por nós, que substituiu durante um certo tempo a nossa língua materna, esta língua era o Poromonguetá.

Por falar nisso, o nosso etnônimo Tremembé, é provem do termo tïrïmembé, terreno alagadiço que se forma no litoral, próximo as margens do mar. Fomos chamados assim, (portanto, não se trata de uma auto-denominação nossa) porque sempre que se referiam a nós, diziam, o povo do tïrïmembé, povo dos alagados, já que vivíamos nas aproximidades desses poços. Esse termo sofreu alterações com o tempo, como sofreram outros termos, como por exemplo, o preá, pequeno mamífero roedor muito comum na mata do Ceará, cujo termo original é pereá. Assim, Tïrïmembé virou Tremembé.

Voltando a questão da língua,

...Seraine alude que a maioria dos vocábulos das cantigas da dança ritual do torém teria origem tupi ou da língua geral (Valle, texto para o ISA)

Uma breve comparação entre o Tupi Antigo (o de Anchieta, não mais falado), o Nheengatú (falado atualmente no norte, denominado de neo-tupi) e o Poromonguetá (a língua dos Tremembé) poderemos dá uma visão da nossa língua e ver que se trata, de fato, de uma espécie de língua geral.

Antes, porém, uma nota interessante sobre o etnônimo da nossa língua. O Tupi é um tronco e não uma língua e dele derivaram vários dialetos como os falados, por exemplo, pelos Kamaiurá (no P.Xingú) e o Nheengatú (falado atualmente no Norte do Brasil). Também dele, do tronco Tupi, derivam aquelas línguas escritas pelos colonizadores e missionários no período “cabraliano’, isto é, dos Tupinambá, dos Tupinaîé, entre outros.

Só  para saber: como o Nheengatu, a língua tupi falada no Norte, significa língua boa (nheega = língua, fala e katu =boa) já que é uma língua, relativamente, fácil de ser aprendida. O termo Poromonguetá é a junção de duas palavras poro = prefixo de classe que no Tupi Antigo designava seres superiores (ser humano e espírito), se contrapondo ao termo mbae, prefixo de classe de seres inferiores, como animais, plantas e coisas em gerais; mais o vocábulo monguetá do verbo discursar, falar, conversar. Poromonguetá, portanto, significaria a fala dos entes superiores, dos homens e espíritos. É através da nossa fala que mostramos o que somos e o que nos diferencia das coisas.

Explicado a terminologia vamos a um breve estudo comparativo:

O EMPREGO DO TEMPO VERBAL

No Tupi Antigo o presente e o passado possuíam uma única forma e o futuro se faz com o sufixo ne.
Ex: xé a-só / eu vou, eu fui
Xe a-só-ne / eu irei

No Nheengatú também se conservou essa dinâmica, entretanto, em caso de dúvida se acrescenta ã, ana ou com o advérbio kwera (passado remoto) ao verbo para dar idéia de passado e o kurí para expressar o futuro.
Ex: ixé a-su-ã / eu fui
Aé usú kwera / ele já foi
Ixé a-sú kurí / eu irei

No Poromonguetá também se usa uma única forma para os dois casos (passado e presente), mas é mais comum utilizar o sufixo ykã para expressar o pretérito e ykõ para o futuro.
Ex: ixé a-só / eu vou [eu fui].
ixé a-so-kã/ eu fui.
Ixé a-só-ykõ/ eu irei

Estas terminações ykã e ykõ, não sabemos ao certo sua procedência, mas, acreditamos ser influência da velha língua Tremembé. Uma observação é que o sufixo é constituído apenas por e por . O ‘y’ aparece como conectivo dos verbos terminados em consoantes.
Ex: kuỹa o-gûapïk-y-kã/ a mulher sentou.
Ixé tatu a-îuka-kã / eu matei um tatu.

A CONSTRUÇÃO DAS PALAVRAS

No Tupi Antigo há um complexo jogo de trocas e perdas de silabas e jogo de eufonia. Vejamos, alguns casos, algumas palavras ao seguirem outras mudam o fonema inicial. Depois ‘i’ o ‘s’ muda para x (sy fica i xy=mãe dele), após silaba nasal, o ‘s’ passa para ‘nd’. Assim, ‘suara’ [o que costuma ser], após ‘atã’ [forte], transforma-se em ‘nduara’ (atãnduara = o que costuma ser forte). O ‘p’ após nasal, passa para ‘mb’, assim, pó [mão] passa para mbó (cunhãmbo = mão de mulher e kurumimby = pé de menino)., urffff! Fiquei sem fôlego!

Há ainda as seguintes regras: quando o substantivo é paroxítono, perde a ultima silaba, se a palavra seguinte for consoante, por exemplo, îagûara [cachorro] + tinga [branco] = îagûa-tinga [cachorro branco]. Quando a segunda palavra em composição iniciar com vogal, o substantivo paroxítono perde apenas a sua vogal, por exemplo, îagûara [cachorro] + una [preto] = îagûar-una [cachorro preto]. E por ai vão as regras!!!!!!!
O Poromonguetá, neste ponto, é similar ao Nheengatú, pois as palavras se juntam simplesmente, sem perda de sílaba e sem muitas regras eufônicas. Com exceção daquelas que vieram do Tupi Antigo já formadas.

Vejamos exemplos em Nheengatú:

O Nheengatú tem facilidade de formar nomes justapondo-se palavras e escrevendo-as como se fosse uma só palavra;
Ex.2. Tapúa [prego] + peteka [bater] + sara [sufixo significativo/aquele que] = tapuapetekasara [martelo, literalmente, aquele que bate no prego]

Ex.1. mimbawa [animal de estimação] + manhana [vigiar, tomar conta] + sara [sufixo significativo/aquele que] = mimbawamanhanasara [pastor- cão pastor?]

No Poromonguetá ocorre o mesmo que o nheengatú, nós não temos muitas regras de junção na formação de palavras.
Ex.1. îagûararana [cachorro] + Ting [branco] = îagûararanating [cachorro branco]

Ex.2. mba’é [coisa, objeto, bicho] + ma’enan [vigiar] + sara [sufixo: aquele que] = mba’ema’enanysara [animal de guarda]

Notamos aqui a presença do ‘y’ que funciona como conectivo eufônico.
Mas, o que eu quero destacar mesmo da nossa língua, do Poromonguetá é o que chamamos de Ergatividade de 3ª pessoa.

ERGATIVIDADE DE 3ª PESSOA

Ergatividade é uma função lingüística usada para identificar o sujeito da ação em algumas línguas, como por exemplo, na língua yanomami.

Obs: [gente, eu não sei como colocar os caracteres lingüísticos da grafia aqui na lan hause, além do que o próprio sistema do blog não facilita, daí que esse foi o único jeito de demonstrar como se escreve, espero que dê de visualizar!]
Aqui precisamos distinguir cuidadosamente o agente (Yoahiwë/nome próprio yanomami) do paciente (mutum/um espécie de pássaro muito apreciado pelos yanomami). Nesta língua a marca do ergativo se da pela partícula ni junto ao agente, marcando assim o caso ergativo.

No Poromonguetá existe também uma marca que ocorre apenas nos casos de terceira pessoa e isso ocorre porque em frases de 1ª e 2ª pessoa é o próprio indício pessoal que marca e aponta o agente da ação:

Vejamos detalhadamente:
Ixé îagûararana anupãykã / Eu bati no cachorro
Aqui o agente sou eu e a marca do ergativo é, vamos dizer assim, o próprio indício pessoal ‘a-’. A priori, sabemos que é o agente. O mesmo acontece com a 2ª pessoa.
Vejamos:
Endé suasú ereîukãkã kïsé pupé / tu matastes o veado com uma faca.


O agente é 'tu' e a marca do ergativo é, novamente, o próprio indício pessoal ‘ere-’.
Assim, não tem, nas frases apresentadas, como confundir o agente e o paciente, porque o próprio indício pessoal funciona como marcador, mesmo se a ordem dos termos forem alterados, já que a posição desses no período são bastantes livres.

Entretanto, observamos está frase.

Observem que o indício é o mesmo para ambos os sujeitos do período. Lembrando que a ordem é bastante livre, com exceção do caso da voz passiva do Poromonguetá, onde o paciente ficará sempre próximo e a frente do verbo principal.

Então, para resolver o problema de marcação do sujeito ergativo, o Poromonguetá marcou o sujeito com a partícula ‘-rï’. Desta forma, independente de onde o ergativo esteja sempre será marcado com esta partícula.

Uma observação interessante: a partícula ergativa de 3ª pessoa do Poromonguetá é bem parecida com a da língua yanomami. ambas possui a vogal média. Entretanto, no caso yanomami a partícula ni também é um instrumental (uma espécie de adaptação lingüística), ao contrário do Poromonguetá que não tem uma tradução e nem é uma adaptação instrumental, uma vez que essa função é realizada pelo posposto pupé.
eita, ja ia até me esquecendo, isso não ocorre nem no Tupi Antigo e nem no Nheengatú!

Um lingüista francês chamado Henri Ramirez, que trabalhou bastante aqui no alto Rio Negro, AM, com as línguas indígenas daqui, principalmente com a língua yanomami, pelo qual obteve o seu título de Doutor, está fazendo um estudo comparativo entre o Tupi Antigo e a língua Yanomami. provavelmente será um trabalho bem interessante! Eu mesmo, nos meus três anos de contato com os Yanomami, falando e ensinando esta língua já percebi muitas coisas intrigantes com certas estruturas do Tupi Antigo! Quem sabe um dia eu poste aqui no nosso Blog!

Pois é, amigos e amigas, muito ainda há para mostrar entre essas línguas e a minha, o Poromonguetá (eu gosto de falar assim!). Muito para comparar e analisar, mas vamos ficar por aqui.

Espero que tenham feito uma boa leitura!

Comentários

  1. obrigado por postar, é bom ter um blog que mostre a verdadeira cultira do brasil, continue postando!

    ResponderExcluir
  2. Acredito ser descendente Tremembé, sou de Tutóia, meu avô por parte de pai era de Araioses e ele era o mais índio. Minha vó por parte de mãe era misturada mas também pelas feições havia sangue índio. Ainda havia branco, meu avô materna e negro, minha avô paterna. Recentemente assisti o documentario "Espelho índigena" que estou atrás de rever e não sei como. Estive em Almofala muito rápido. Voltarei para ter mas contato com meus parentes. Vou seguir o seu blog. Obrigado pelos esclarecimentos. Parabéns!!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Anauê!
      Fico feliz pela sua participação! é bom termos retorno da partilha de informação que adquirimos ao longo da nossa vida. Estou meio atarefado no momento, mas em breve teremos novas postagem!
      um grande abraço e se sinta acolhido aqui por nós do Xe Mba'e!

      Excluir
  3. Puranga retana!(muito bom! em nheengatu). Gostei bastante do seu post, muito bem explicado. Tenho um interesse muito grande em conhecer os indígenas do Ceará e os Tremembé são, junto com os Jenipapo Kanindé(Payacu), os que mais me encantam e chamam atenção. Tenho procurado matérias e artigos relacionados a língua dos Tremembé. Por isso seu artigo é uma preciosidade pra mim. Tenho interesse em aprender o poromonguetá. Se houver uma maneira de entrarmos em contato pra trocarmos umas ideias, será ótimo. Kwekatureté! (muito obrigado em nheengatu)

    ResponderExcluir
  4. Puraga retana, xe iru Igor!
    Fico feliz por poder contribuir com a minha cultura, com o meu povo e fico ainda mais feliz por saber que existem pessoas como você, que se interessa em aprender a cultura e não apenas admira-la (mesmo ja sendo este um pequeno passo, rsrsrs). Sempre estarei por aqui no nosso blog, qualquer coisa pode aparecer.rsrsrs.
    Estou escrevendo uma pequena gramaticazinha (noções básicas) do que restou da nossa língua, mas este projeto está um pouco parado no momento, pois estou com um outro desafio: produzir games educativos todo em lingua Yanomami para os yanomami dos quais eu trabalho aqui no Amazonas. o jogo é uma iniciativa independente e se der tudo certo vou formatá-lo para outras linguas indigenas, como o poromonguetá. Legal, né.
    um grande abraço e visite sempre o nosso blog.
    obs: quando eu finalizar a gramatica posso te enviar um exemplar pelo e-mail. ok

    ResponderExcluir
  5. Puranga, se rumuara. Aikú surí akuá rupi! Sua iniciativa é louvável. Fico agradecido por sua ajuda a respeito da língua poromonguetá.

    ResponderExcluir
  6. Post muito rico em informações e que me deixou curiosíssimoa, grata!!!

    ResponderExcluir
  7. Boa tarde!
    Tive conhecimento do seu blog na tarde de hoje. Adorei, parabéns!
    Uma amiga é arqueóloga/historiadora e todas as pesquisas foram feitas sobre o povo Tremembé. Ela está grávida, e o nome da filha será Luna (lua em português). Gostaria de saber como se escreve e pronuncia LUA em Poromonguetá para fazer uma surpresa pra ela.

    Desde já, obrigado!!
    E novamente, parabéns pelo trabalho!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Anaue!
      primeiramente, desculpe-me em responder. na verdade, eu pensei que tinha respondido,mas não tinha sido publicado a resposta,do fundo do meu coração,desculpe-me. E como está LUNA,ja nasceu?
      Em poromonguetá, LUNA se diz îasï (se lê djasü - se pronúcia 'u' com a boca na posição de 'i'), ok.

      espero ter ajudado, apesar da demora.

      um abraço carinhoso.

      Excluir
  8. Muito bom esse trabalho, é necessário sempre o reisinamento das línguas de nossas tribos. Os Xukurus que são do tronco Tarairús estão fazendo o regate de sua lingua Brobo. os Xukurus são tribos irmães dos Genimpapo Kanindés e dos Kanindés.

    ResponderExcluir
  9. Anaue xe iru gue.
    Obrigado por visitar o nosso blog. fico feliz pelas palavras e pela troca de informações. conheço algumas pessoas do povo xukuru,espero que eles consigam resgatar essa dimensão importante das nossas culturas.
    um abraço, Valdivino.

    ResponderExcluir
  10. Puranga pituna, xe mũ!
    Agustai retana indé rescrevei ã waá. Dizem que é provável que a língua ancestral do povo Tremembé seria da família março-jê, como muitas outras línguas perdidas do Nordeste, afogadas pelo Tupi Antigo e o português. Pelo que você descreveu acima, o Tremembé parece essencialmente Tupi. Você já procurou entre as línguas desse tronco jê para ver se existem alguns paralelos?
    Aliás, um detalhezinho da glosa na sua descrição gramatical eventualmente precise de mais pesquisa: você disse que o prefixo ere- e o prefixo a- marcam o caso ergativo. Porém, como a concordância em Tupi Antigo é com o sujeito independentemente dele ser propriamente agente ou não (veja, p. ex., asyk “Eu chego/cheguei”, que é um verbo intransitivo inacusativo), não dá para classificar essa forma como marcador do caso ergativo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Puranga pituna!
      Fico muito feliz pelo feedback, Tom e obrigado pelas observações. A nossa língua tremembé que doravante ousei-me chamar de poromonguetá (como dizia meu avô) na verdade foi uma das línguas gerais falada na costa brasileira. a adoção do poromonguetá possui um contexto histórico (apropriação e interação) e não um contexto êmico. Provavelmente a nossa língua se perdeu e deveria ser uma língua isolada. A sua observação é pertinente, sim, porque de fato a lingua geral (poromonguetá) é uma língua tupínica.
      Quanto a descrição gramatical, deveras, rsrsrs precisa sim de mais pesquisas e estudos (obrigado). Em relação ao caso ergativo, a partícula apontada 'a-' e e 'ere-', não são marcas ergativas, são prefixo nominais número-pessoa, funcionando como marcador do sujeito (é possível que o meu texto tenha gerado essa interpretação, rsrsr). o caso ergativo aqui é a ocorrência do '-rï' , que de fato, onde me debruço no caso de uma possível ergatividade, ocorrendo especificamente e absolutamente na 3ª pessoa do singular. por isso a sua análise está corretíssima "não dá para classificar essa forma como marcador do caso ergativo", isso pelo que entendemos os sistemas ergativos diferem dos sistemas nominativos pelo fato de o sujeito do verbo transitivo receber, em geral, o caso ergativo, ao passo que o sujeito do verbo intransitivo e o objeto do verbo transitivo recebem caso absolutivo. ok.
      Obrigado pela participação no nosso blog e continue com o dialogo, isso é muito bom.
      estou preparando um artigo sobre a trajetória histórica da lingua poromongueta e em breve estarei postando.

      Excluir
  11. Olá! Pesquisando um nome que me veio em sonho, Carina Mussará, eu encontrei um LP de cantos indígenas e uma das canções era "Sara Mussará" Você poderia me dizer o significado desta palavra?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ananuê, xe iru guê!
      Obrigado por visitar o nosso blog. Fiquei curioso pelo LP, rsrsr de qual etnia é o LP?
      Quanto a palavra se ela tiver origem tupi ela terá o seguinte significado:
      primeiramente "sara". No tupi -sara é um sufixo e significa "aquele que", por exemplo îuká é matar e îukásara é aquele que mata ou matador. por isso é pouco provável que a palavra 'sara' apareça sozinha. Já mussará, talvez seja uma corruptela de mosaraia que é o verbo 'brincar'. Na Língua Geral amazonica, o nheengatu, a palavra é musaraia (já que não existe a vogal 'o' na língua), ah ja ia me esquecendo, também faz parte da dinâmica linguística a redução dos termos, por exemplo, 'eu quero' fica em língua geral xe aputari, mas na fala eles dizem xe aputai é isso, tambem ocorrem em alguns adjetivos como em kirimbawa, fica apenas kirimbá, apigawa fica apenas apigá, logo , mussaraia ficará mussará.
      por fim, Sara Musará, se sara for um nome próprio então ficaria "a brincadeira de Sara" ou "brincar de Sara" , ja que a forma nominal do verbo (infinitivo, gerundio e participio, as vezes, são idêntico).
      é isso "unknown", rsrsrsr espero ter esclarecido na medida do possível. e o LP? fiquei curioso,rsrsrrs

      Excluir
  12. Adorei tudo!! eu gostaria de saber o significado da palavra 'mussará', pois sonhei com esse nome. Único lugar que encontrei foi um LP de canções indígenas, uma das músicas se chama Sara Mussará. O que eu sonhei foi 'Carina Mussará'. Seu nome também veio na pesquisa. Muito obrigada!!! Pode ser? é mesmo uma palavra Poromongutá??

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Anauê, Nanci. Obrigado por interagir. Mussará significa brincar. Provavelmente vem de mosaraia, como falei no comentário acima.e equivale ao dito antes karina musará pode ser compreendido como a Brincadeira de Karina. Quanto a origem da palavra, também faz parte do poromonguetá. Um grande abraço.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A diferença entre “não posso” e “não quero”.

A diferença entre “não posso” e “não quero”. Gostaria de partilhar aqui uma reflexão filosófica apoiada na linguagem que, em primeiro momento, parece uma bobagem, mas que pode revelar muito da dimensão inconsciente (se de médico e de louco todo mundo tem um pouco, de psicólogo então, nem se fala!) do ser humano na esfera da inter-relação com o outro: a diferença substancial entre o não posso e o não quero . Esta reflexão nasceu de uma curiosidade sobre o uso da linguagem durante as leituras de Habermas, Austin, Lyons e outros lingüistas e filósofos da linguagem. A princípio, ambas as respostas para uma dada circunstância parece ecoar definitivamente como a não possibilidade da realização do fato em questão. Ora, se durante uma visita a um amigo, por exemplo, me convidasse para tomar uma xícara de café e eu respondesse “não posso, obrigado!” ou “não quero, obrigado!”, ambas as respostas, marcaria a negação do ato convidativo a ser realizado. Ou em outro contexto, se minha mãe c

ESTÉTICA E CORPORALIDADE ENTRE OS YANOMAMI

ESTÉTICA E CORPORALIDADE ENTRE OS YANOMAMI DO RIO MARAUIÁ Sabem por que eu adoro antropologia? Porque não é apenas uma ciência, mas, simplesmente porque ela abre a cortina para um mundo totalmente diferente e nós, antropólogos, imbuído nestes mundos como peregrinos, nunca seremos totalmente o outro que está ali a nossa frente e, o pior, nunca voltaremos a sermos o que éramos antes da imersão.  Lembro que tinha uma anseio tão grande em aprender a língua yanomami que nos primeiros meses de campo cheguei a sonhar, literalmente, em yanomami. Acreditava, e acredito criticamente, na utopia malinowkiana da imersão na cultura do outro e foi o que tentei fazer através da língua (também cantei, dancei e participei dos rituais mais profundos[1] que uma pessoa “estranha” poderia participar). A cultura do povo Yanomami é singular, como são singulares as mais diversas culturas entre si. Porém, há tantos elementos sui generi que sempre que volto a convivência com os yanomami me espanto co